28/09/15
"Senhor presidente, senhor secretário-geral, colegas
delegados, senhoras e senhores. Passados 70 anos da fundação das Nações Unidas,
vale refletir sobre aquilo que, juntos, os membros desta organização ajudaram a
realizar.
Das cinzas da Segunda Guerra Mundial, tendo testemunhado o poder
impensável da era atômica, os Estados Unidos trabalharam com muitas das nações
da Assembleia para prevenir uma terceira guerra mundial, criando alianças com
antigos adversários; apoiando o desenvolvimento de democracias fortes e que
prestassem contas aos seus cidadãos, e não a potências estrangeiras; e
construindo um sistema internacional que impusesse custo àqueles que
escolhessem o conflito de preferência à cooperação -em uma ordem que
reconhecesse a dignidade e o trabalho iguais de todos os povos.
Esse é o trabalho de sete décadas. Esses são os ideais que
este órgão, em seus melhores momentos, buscou. É claro que houve ocasiões
demais em que, coletivamente, ficamos aquém desses ideais. Ao longo de sete
décadas, conflitos terríveis causaram número incontável de vítimas, mas
seguimos adiante, aos poucos mas firmemente, para criar um sistema de regras e
normas internacionais melhores, mais fortes e mais coerentes.
É essa ordem internacional não escrita que subscreveu os
avanços sem paralelos na liberdade e prosperidade humana. É essa empreitada
coletiva que trouxe cooperação diplomática entre as grandes potências do
planeta e deu sustentação a uma economia globalizada que tirou mais de um
bilhão de pessoas da pobreza.
Foram esses princípios internacionais que ajudaram a impedir
que países maiores impusessem sua vontade aos menores, e que levaram adiante a
ascensão da democracia, e o desenvolvimento, e a liberdade, em todos os
continentes.
Esse progresso é real. Ele pode ser documentado pelas vidas
salvas, pelos acordos conquistados, pelas bocas que receberam alimento.
E no entanto estamos aqui reunidos hoje sabendo que os
marcos do progresso humano jamais avançam em linha reta, que nosso trabalho
está longe de completo, que existem perigosas correntes capazes de nos arrastar
a um mundo mais sombrio e desordenado.
Hoje, vemos o colapso de homens fortes e Estados frágeis
gerando conflitos, e conduzindo homens, mulheres e crianças a atravessar
fronteiras em escala épica. Redes brutais de terror ocuparam o vácuo.
Tecnologias que aumentam as capacidades dos seres humanos agora também são
exploradas por aqueles que espalham a desinformação, suprimem a dissensão ou
radicalizam os nossos jovens.
Os fluxos mundiais de capitais impulsionaram o crescimento e
o investimento, mas também aumentaram o risco de contágio, enfraquecendo o
poder de barganha dos trabalhadores e acelerando a desigualdade.
Como deveríamos responder a essas tendências? Há aqueles que
argumentam que os ideais encapsulados na Carta das Nações Unidas são
inatingíveis, ou obsoletos -um legado da era do pós-guerra, e incompatíveis com
a nossa. Efetivamente, essas pessoas argumentam por um retorno às regras que se
aplicavam durante a maior parte da história humana, e precedem esta
instituição- a crença em que o poder é um jogo no qual, para que alguém ganhe,
alguém precisa perder; em que a força vale mais que o direito; em que os
Estados poderosos devem impor sua vontade aos mais fracos; em que os direitos
dos indivíduos não importam. E em que, num período de rápida mudança, a ordem
deve ser imposta pela força.
Tendo isso por base, vemos algumas grandes potências se
afirmando de maneiras que contradizem as regras internacionais. Vemos uma
erosão dos princípios democráticos e dos direitos humanos que são fundamentais
à missão desta instituição. A informação é rigorosamente controlada, o espaço
da sociedade civil, restrito. Dizem-nos que essa reacomodação é necessária para
resistir à desordem, que é a única maneira de derrotar o terrorismo, ou
prevenir interferência externa. De acordo com essa lógica, deveríamos apoiar
tiranos como Bashar al-Assad, que bombardeia crianças inocentes, porque a
alternativa certamente seria pior.
Esse crescente ceticismo quanto à nossa ordem internacional também
pode ser encontrado nas mais avançadas democracias. Vemos polarização maior,
impasses mais frequentes, movimentos na extrema direita, e às vezes na
esquerda, que insistem em interromper o comércio que unifica nossos destinos
aos de outras nações, apelando pela construção de muros que impeçam a entrada
de imigrantes.
O mais ameaçador é que vemos os medos das pessoas comuns
explorados por meio de apelos ao sectarismo, tribalismo, racismo ou
antissemitismo, apelos a um passado glorioso no qual nosso organismo político
ainda não havia sido infectado por pessoas de aparência diferente, ou que
cultuem a Deus de maneira diferente.
Os Estados Unidos não estão imunes a isso. Ainda que nossa
economia esteja crescendo e que nossos soldados tenham em geral retornado do
Iraque e Afeganistão, vemos em nossos debates sobre o papel dos Estados Unidos
no planeta uma ideia de força definida pela oposição a velhos inimigos e novos
adversários percebidos, a uma China ascendente ou Rússia ressurreta, um Irã
revolucionário ou islã incompatível com a paz. Vemos repetido o argumento de
que a única força que importa para os Estados Unidos são palavras belicosas e
demonstrações de poderio militar. Que cooperação e diplomacia não funcionam.
Como presidente dos Estados Unidos, estou ciente dos perigos
que enfrentamos. Eles chegam à minha mesa a cada manhã. Lidero as forças
armadas mais poderosas que o mundo já conheceu, e jamais hesitarei em proteger
meu país e nossos aliados, unilateralmente e pela força, quando necessário. Mas
hoje falo a vocês trazendo a convicção profunda de que nós, como nações do
mundo, não podemos retornar aos velhos modos de conflito e coerção.
Não podemos olhar para trás. Vivemos em um mundo integrado,
no qual todos temos interesse no sucesso mútuo. Não podemos dar as costas a
essas forças de integração.
Nenhum país nesta Assembleia tem como se isolar contra a
ameaça do terrorismo ou o risco de contágio financeiro, o fluxo de migrantes ou
o perigo do aquecimento global. A desordem que vemos não é propelida apenas
pela competição entre as nações ou qualquer ideologia isolada e, se não
conseguirmos trabalhar juntos de modo mais efetivo, todos sofreremos as
consequências. Isso se aplica igualmente aos Estados Unidos. Não importa o
quanto nossas forças armadas sejam poderosas, o quanto seja forte a nossa
economia, compreendemos que os Estados Unidos não são capazes de resolver
sozinhos os problemas do mundo.
No Iraque, os Estados Unidos aprenderam a dura lição de que
mesmo centenas de milhares de soldados valentes e efetivos, e trilhões de
dólares de nosso Tesouro, não bastam para impor estabilidade em uma terra
estrangeira. A menos que trabalhemos com outras nações sob o manto das normas e
princípios internacionais, e de leis que ofereçam legitimidade aos nossos esforços,
não teremos sucesso. E a menos que trabalhemos juntos para derrotar as ideias
que propelem as diferentes comunidades de um país como o Iraque a um conflito,
qualquer ordem que nossos soldados consigam impor será temporária.
E da mesma forma que a força não basta para impor a ordem
internacionalmente, tenho a profunda convicção de que repressão não criará a
coesão social de que uma nação necessita para o sucesso. A história das duas
últimas décadas prova que as ditaduras do mundo atual são instáveis. Os homens
fortes de hoje podem se tornar a centelha das revoluções do amanhã. Você pode
aprisionar seus oponentes mas não há como aprisionar ideias. Pode-se tentar
controlar a informação, mas não se pode transformar mentiras em verdades.
Não é uma conspiração de ONGs apoiadas pelos Estados Unidos
que expõe a corrupção e desperta as esperanças dos povos de todo o mundo; é a
tecnologia, a mídia social, e o desejo irredutível de todos os povos de
escolherem por sua conta a forma pela qual serão governados. De fato, acredito
que no mundo atual, o que mede a força não é mais o território controlado. A
prosperidade duradoura não vem apenas da capacidade de acessar e extrair
matérias-primas. A força das nações depende do sucesso de seus povos, de seu
conhecimento, sua inovação, sua imaginação, sua criatividade, seu esforço, suas
oportunidades, o que por sua vez depende de direitos individuais e boa
governança, e da segurança pessoal.
A repressão interna e a agressão externa são ambas sintomas
do fracasso em prover essas fundações. A política e a solidariedade criada pela
dependência quanto a demonizar os outros, que atrai o sectarismo nada
religioso, o tribalismo ou o patriotismo de vitrine, pode às vezes parecer uma
força, momentaneamente, mas com o tempo sua fraqueza será exposta. E a História
nos diz que as forças sombrias desencadeadas por esse tipo de política
certamente nos tornam todos menos seguros.
Nosso mundo já passou por isso. Nada ganhamos por voltar no
tempo. Em lugar disso, acredito que devamos ir adiante na busca de nossos
ideais, sem abandoná-los nesse momento crítico.
Devemos dar expressão às nossas melhores esperanças, não aos
nossos mais profundos medos. Esta instituição foi fundada porque os homens e
mulheres que nos antecederam foram previdentes e sabiam que nossas nações estão
mais seguras quando aderimos a leis básicas, normas básicas, e buscamos
cooperação acima do conflito. E as nações fortes, mais que todas, têm a
responsabilidade de sustentar essa ordem internacional.
Permitam-me oferecer um exemplo concreto.
Ao assumir a Presidência, deixei claro que uma das
principais realizações desta Assembleia, o regime de não proliferação nuclear,
deveria ser engajado pela violação iraniana ao Tratado de Não Proliferação
Nuclear; com base nisso, o Conselho de Segurança apertou as sanções contra o
governo iraniano e muitas nações se uniram a nós em sua imposição. Juntos,
demonstramos que leis e acordos significam alguma coisa, mas também
compreendíamos que o objetivo das sanções não era simplesmente punir o Irã. O
objetivo era testar se o Irã estaria disposto a mudar de rumo, aceitar
restrições, e permitir que o mundo verificasse que seu programa nuclear será
pacífico.
Por dois anos, os Estados Unidos e nossos parceiros,
incluindo a Rússia, incluindo a China, mantiveram a união em meio a complexas
negociações. O resultado é um acordo duradouro e abrangente que impede o Irã de
obter uma arma nuclear, mas permite seu acesso à energia pacífica; se esse
acordo for plenamente implementado, a proibição a armas nucleares sairá
reforçada, uma potencial guerra terá sido evitada e o nosso mundo estará mais
seguro.
Essa é a força do sistema internacional quando ele trabalha
da maneira que deveria. A mesma fidelidade à ordem internacional orienta nossas
respostas a outros desafios em todo o mundo. Considerem a anexação da Crimeia
pela Rússia, e as demais agressões no leste da Ucrânia. Os Estados Unidos têm
poucos interesses econômicos na Ucrânia. Reconhecemos a história complexa e
profunda entre Rússia e Ucrânia, mas não podemos nos colocar de lado quando a
soberania e integridade territorial de uma nação são flagrantemente violadas.
Se isso acontecer sem consequências na Ucrânia, poderia
acontecer a qualquer das nações hoje aqui reunidas. Essa é a base das sanções
que os Estados Unidos e nossos parceiros impuseram à Rússia. Não se trata de um
desejo de voltar à guerra fria.
É evidente que, dentro da Rússia, a mídia controlada pelo
Estado pode descrever esses eventos como exemplo de um país ressurreto. Visão
compartilhada, de certa maneira, por diversos políticos e comentaristas
norte-americanos que sempre foram profundamente céticos quanto à Rússia e
parecem convencidos de que uma nova guerra fria, de fato, já começou. No
entanto, vejam os resultados. O povo ucraniano está cada vez mais interessado
em se alinhar à Europa, em lugar da Rússia. As sanções causaram fuga de
capitais. Uma economia em contração, o rublo em queda, a emigração de maior
número de russos com bom nível educacional.
Imagine se, em lugar disso, a Rússia se tivesse se engajado
em diplomacia real e trabalhado com a Ucrânia e a comunidade internacional para
garantir que seus interesses estejam bem protegidos. Isso teria sido melhor
para a Ucrânia mas também para a Rússia, e melhor para o mundo, o que explica
por que continuamos a pressionar para que essa crise seja resolvida de maneira
que permita que uma Ucrânia soberana e democrática determine seu destino e
controle seu território. Não porque desejamos isolar a Rússia -não desejamos-,
mas porque queremos uma Rússia forte e investida em trabalhar conosco para
reforçar o sistema internacional como um todo.
De forma semelhante, no mar do Sul da China, os Estados
Unidos não têm reivindicações territoriais. Não adjudicamos quaisquer reivindicações,
mas como todas as nações aqui reunidas temos o interesse em sustentar os
princípios básicos de liberdade de navegação e livre fluxo de comércio.
Assim, defenderemos esses princípios e encorajaremos a China
e outros queixosos a que resolvam suas diferenças pacificamente.
E o digo sabendo que a diplomacia é difícil. Que os
desfechos são algumas vezes insatisfatórios. Que ela é raramente popular em
termos políticos. Mas acredito que os líderes das grandes nações,
especialmente, têm a obrigação de assumir esses riscos, precisamente porque
somos fortes o bastante para proteger nossos interesses, se e quando a
diplomacia falhar.
Também acredito que para avançar nessa nova era, tenhamos de
ser fortes o bastante para reconhecer que aquilo que se estava fazendo não
funciona. Por 50 anos, os Estados Unidos mantiveram quanto a Cuba uma política
que em nada melhorou a vida do povo cubano. Nós a mudamos. Continuaremos a ter
diferenças para com o governo cubano, continuaremos a defender os direitos
humanos, mas trataremos essas questões por meio de relações diplomáticas e da
expansão do comércio. E de relações entre os dois povos.
À medida que esses contatos produzam avanços, estou
confiante em que o nosso Congresso inevitavelmente abolirá um embargo que já
não deveria mais estar em vigor.
A mudança não chegará a Cuba do dia para a noite, mas estou
confiante em que abertura, não coerção, servirá melhor como apoio às reformas e
para melhorar a vida do povo cubano. Da mesma forma que acredito que Cuba encontrará
o sucesso se ampliar sua cooperação com outras nações.
Bem, se interessa às grandes potências sustentar os padrões
internacionais, isso se aplica ainda mais aos demais integrantes da comunidade
de nações. Vejam o que acontece em todo o mundo. De Cingapura à Colômbia,
passando pelo Senegal, os fatos demonstram que nações encontram o sucesso
quando buscam paz e prosperidade inclusivas dentro de suas fronteiras, e
cooperação com os demais países, para além delas.
Um caminho como esse está aberto agora a uma nação como o
Irã, que até o momento continua a utilizar prepostos violentos para promover
seus interesses. Esses esforços podem parecer propiciar ao Irã influência em
suas disputas com os vizinhos, mas alimentam conflitos sectários que colocam
toda a região em risco, e isolam o Irã da promessa de comércio e intercâmbio.
O povo iraniano tem uma história de orgulho e está repleto
de extraordinário potencial. Mas gritar "morte à América" não cria
empregos nem torna o Irã mais seguro.
Se o Irã optar por um caminho diferente, será melhor para a
segurança da região, bom para o povo iraniano e bom para o mundo.
É claro que, em todo o mundo, continuaremos a ser
confrontados por nações que rejeitam essas lições da história, lugares nos
quais conflitos civis, disputas de fronteira e guerras sectárias produzem
enclaves terroristas e desastres humanitários. Onde a ordem tenha sofrido
completa dissolução, devemos agir. Mas seremos mais fortes caso o façamos
juntos.
Em esforços como esses, os Estados Unidos sempre farão sua
parte. E o faremos cientes das lições do passado. Não só as lições do Iraque
mas também o exemplo da Líbia, onde participamos de uma coalizão internacional
sob mandato da ONU a fim de impedir o morticínio. Embora tenhamos ajudado o
povo líbio a pôr fim ao reino de um tirano, nossa coalizão poderia e deveria
ter feito mais para preencher o vazio deixado. Somos gratos às Nações Unidas
por seus esforços para criar um governo de união. Ajudaremos qualquer governo
legítimo da Líbia em seu trabalho de unir o país. Mas também precisamos
reconhecer que é necessário trabalhar mais efetivamente no futuro, como
comunidade internacional, a fim de capacitar com mais rapidez os Estados em
crise, e assim evitar que entrem em colapso.
E é por isso que devemos celebrar o fato de que, ainda hoje,
os Estados Unidos se unirão a 50 outros países para oferecer novos recursos,
infantaria, serviços de informações, helicópteros, hospitais e dezenas de
milhares de soldados para reforçar as operações de paz da ONU.
Esses novos recursos podem impedir matanças em massa e
garantir que acordos de paz sejam mais que palavras no papel. Mas temos de
fazê-lo juntos. Juntos precisamos reforçar nossa capacidade coletiva, onde a
ordem se tenha dissolvido, e apoiar os que buscam uma paz justa e duradoura. Em
lugar nenhum nosso compromisso para com a ordem internacional vem sofrendo
teste mais severo do que na Síria. Quando um ditador massacra dezenas de
milhares de seus concidadãos, isso não é uma questão interna. Causa sofrimento humano
de uma ordem de magnitude que afeta a todos.
Da mesma forma, quando um grupo terrorista decapita
prisioneiros, massacra inocentes e escraviza mulheres, não se trata de um
problema de segurança nacional para uma só nação, e sim de uma agressão a toda
a humanidade. Já disse antes e repetirei: não existe espaço para acomodar um
culto apocalíptico como o EI, e os Estados Unidos não pedem desculpas pelo uso
de suas forças armadas como parte de uma ampla coalizão que o está combatendo.
Nós o fazemos com a determinação de garantir que em lugar algum haja porto
seguro para os terroristas que cometem esses crimes. E demonstramos ao longo de
mais de uma década de perseguição incansável à Al Qaeda que os extremistas não
sobreviverão a nós. Mas embora o poder militar seja necessário, não é
suficiente para resolver a situação na Síria. Estabilidade duradoura só surgirá
quando os povos da Síria chegarem a um acordo que permita que vivam juntos
pacificamente. Os Estados Unidos estão preparados para trabalhar com qualquer
nação, incluindo Rússia e Irã, a fim de resolver o conflito. Precisamos
reconhecer que, depois de tanta carnificina, de tanto sangue derramado, não é
possível simplesmente voltar à situação que existia antes da guerra.
Recordemos como isso começou. Assad reagiu a protestos
pacíficos com uma escalada de repressão e matança que, por sua vez, preparou o
terreno para a disputa atual. E assim Assad e seus aliados não podem
simplesmente pacificar a ampla maioria de uma população que foi brutalizada por
armas químicas e bombardeios indiscriminados. Sim, o realismo dita que será
necessário um compromisso para pôr fim aos combates e destruir o EI. Mas o
realismo também requer uma transição que conduza de Assad a um novo líder e
governo inclusivo, que reconheça a necessidade de um fim para o caos, o que
permitiria que o povo sírio comece a reconstrução.
Sabemos que o EI, que emergiu do caos no Iraque e Síria,
depende da guerra perpétua para sobreviver. Mas também sabemos que eles
conseguem adesões devido a uma ideologia venenosa. Assim, parte de nosso
trabalho conjunto é rejeitar esse extremismo que infecta tantos de nossos
jovens.
Parte desse esforço precisa ser a rejeição continuada, pelos
muçulmanos, daqueles que distorcem o islã, para pregar a intolerância e promover
a violência. E precisa também envolver rejeição pelos não muçulmanos da
ignorância que equipara islamismo e terrorismo.
Esse trabalho requer tempo. Não existem respostas fáceis
para a Síria e não existem respostas simples para as mudanças que estão
acontecendo em boa parte do Oriente Médio e África. Mas muitas famílias
precisam de ajuda agora, e não temos mais tempo.
É por isso que os Estados Unidos estão elevando o número de
refugiados que acolheremos em nosso país. É por isso que continuaremos a ser os
maiores doadores de recursos assistenciais a esses refugiados. E hoje estamos
lançando novos esforços para garantir que o nosso povo, nossas empresas, nossas
universidades e nossas ONGs também possam ajudar.
Nos rostos de tantas famílias sofridas, nosso país de
imigrantes vê a si mesmo. É claro que, sob a maneira velha de pensar, o
sofrimento dos despossuídos, o sofrimento dos refugiados, o sofrimento dos
marginalizados, não importa. Eles sempre estiveram na periferia das
preocupações do planeta.
Hoje, nossa preocupação quanto a eles deveria ser propelida
não apenas pela consciência, mas também pelo auto-interesse. Pois ajudar
aqueles que foram colocados à margem de nosso mundo não é só caridade, mas uma
questão de segurança coletiva. E o propósito desta instituição é não só evitar
conflitos, mas galvanizar ação coletiva de forma a tornar melhor a vida neste
planeta.
Os compromissos que assumimos quanto às Metas de
Desenvolvimento Sustentável afirmam essa realidade.
Acredito que o capitalismo foi o maior criador de riqueza e
oportunidades que o mundo já conheceu. Mas, das grandes cidades a pequenas
aldeias rurais em todo o planeta, também sabemos que a prosperidade continua
cruelmente inatingível para muitos.
Como nos lembra Sua Santidade, o Papa Francisco, somos mais
fortes quando conferimos igual valor aos mais humildes de nossos irmãos, e os
vemos como tão dignos quanto nós, nossos filhos, nossas filhas. Podemos reduzir
as doenças passíveis de prevenção e pôr fim ao flagelo do HIV/Aids. Podemos
eliminar pandemias que não respeitam fronteiras. Esse tipo de trabalho talvez
não esteja em destaque na televisão neste exato momento, mas, como demonstramos
ao reverter a difusão do ebola, pode salvar mais vidas do que qualquer outra
coisa que façamos.
Juntos, podemos erradicar a pobreza e eliminar as barreiras
à oportunidade, mas isso requer um compromisso sustentado para com nossos
povos, o que permitiria que os agricultores alimentem mais pessoas, os
empreendedores criem mais empresas sem pagar propinas, os jovens adquiram a
capacitação de que necessitam para o sucesso na moderna economia do
conhecimento.
Podemos promover crescimento por meio de comércio que
respeite padrões mais elevados, e é isso que estamos fazendo na Parceria
Transpacífico, um acordo comercial que abarca quase 40% da economia mundial, um
acordo que abrirá mercados mas protegerá os direitos dos trabalhadores e o meio
ambiente, o que permite desenvolvimento sustentável.
Podemos forçar um recuo da poluição que colocamos em nosso
ar e ajudar economias a tirar pessoas da pobreza sem condenarmos nossos filhos
aos estragos de um clima cada vez mais quente.
A mesma engenhosidade que produziu a era industrial e a era
da computação permite que exploremos o potencial da energia limpa. Nenhum país
poderá escapar aos danos da mudança do clima, e não existe sinal maior de
liderança do que dar precedência às gerações futuras. Os Estados Unidos
trabalharão com todas as nações dispostas a fazer sua parte para que possamos
nos reunir em Paris e enfrentar decididamente esse desafio.
E por fim, nossa visão para o futuro desta Assembleia, minha
crença em continuar avançando, em lugar de recuar, requer que defendamos os
princípios democráticos que permitem que sociedades encontrem o sucesso. Vou
começar por uma premissa simples: catástrofes como a que estamos vendo na Síria
não acontecem em países onde existe genuína democracia e respeito pelos valores
universais que esta instituição deve defender.
[Aplausos]
Reconheço que a democracia tomará formas diferentes em
diferentes partes do planeta. A ideia mesma de um povo que se autogoverne
depende de que o governo permita a expressão de sua cultura singular, sua
história singular, suas experiências singulares. Mas algumas verdades
universais continuam patentes: nenhuma pessoa deveria ser aprisionada por
cultuar pacificamente sua religião. Nenhuma mulher deveria sofrer abusos
impunemente, e nenhuma menina deveria ser impedida de ir à escola.
A liberdade de apelar pacificamente aos que detêm o poder,
sem medo de leis arbitrárias -essas não são ideias para um só país ou cultura,
mas sim ideias fundamentais ao progresso humano. São a pedra fundamental desta
instituição.
Compreendo que, em muitas partes do mundo, a visão seja
diferente, e que exista uma crença em que uma liderança forte não deve tolerar
dissensão. É algo que ouço não só dos adversários dos Estados Unidos mas, em
particular, também de alguns de nossos amigos.
Discordo. Acredito que um governo que reprima a dissidência
pacífica não está mostrando força, mas mostrando fraqueza, mostrando medo. A
história mostra...
A história mostra que regimes que temem seus povos
terminarão por desabar. Mas instituições fortes, construídas com o
consentimento dos governados, perduram depois que qualquer indivíduo se vai. É
por isso que nossos líderes mais fortes, de George Washington a Nelson Mandela,
optaram por construir instituições fortes e democráticas de preferência a
saciarem qualquer sede pelo poder perpétuo.
Líderes que emendam constituições para ficar no poder estão
só reconhecendo que não conseguiram construir um país de sucesso para seu povo,
porque nenhum de nós dura para sempre. Isso nos diz que poder é algo ao que
eles se apegam pelo poder e só, e não para melhorar as vidas daqueles que
afirmam servir.
Compreendo que a democracia é frustrante. A democracia dos
Estados Unidos é certamente imperfeita. Ocasionalmente ela pode ser
disfuncional, até, mas a democracia, a luta constante para ampliar os direitos
de cada vez mais cidadãos, para dar mais voz ao povo, é o que permitiu que nos
tornássemos a nação mais poderosa do mundo.
[Aplausos]
Não é simplesmente uma questão de princípio, não é uma
abstração. A democracia -a democracia inclusiva- torna o país mais forte.
Quando partidos oposicionistas buscam o poder pacificamente nas urnas, um país
pode aproveitar novas ideias. Quando uma mídia livre pode informar o público,
corrupção e abusos são expostos e podem ser erradicados.
Quando uma sociedade civil prospera, comunidades podem
resolver problemas que os governos não necessariamente seriam capazes de
resolver sozinhos. Quando imigrantes são acolhidos, os países se tornam mais
produtivos e mais vibrantes. Quando meninas podem ir à escola e encontrar
empregos, e buscar oportunidades irrestritas, é então que um país realiza seu
pleno potencial.
É isso que acredito ser a maior força dos Estados Unidos.
Nem todo mundo no país concorda comigo, mas essa é a força da democracia.
Acredito que o fato de que se possa caminhar pelas ruas de qualquer cidade, agora
mesmo, e encontrar igrejas, sinagogas, templos e mesquitas espelha a
diversidade do mundo, e você pode encontrar todo mundo, de todo lugar, aqui na
cidade de Nova York.
O fato é que neste país todos podem contribuir, todos podem
participar, não importa quem sejam, que aparência tenham, ou a quem amem -isso
é o que nos torna fortes. E acredito que aquilo que se aplica aos Estados
Unidos seja possível para virtualmente todas as democracias maduras.
Isso não acontece por acaso.
Podemos nos orgulhar de nossas nações sem nos definirmos em
oposição a qualquer outro grupo. Podemos ser patriotas sem demonizar os outros.
Podemos acalentar nossas identidades, religiões, etnias, tradições, sem
menosprezar os outros.
Nossos sistemas têm como premissa a ideia de que o poder
absoluto corrompe. Mas que as pessoas -as pessoas comuns- são fundamentalmente
boas. Que elas dão valor à família e amigos, à fé e à dignidade do trabalho
árduo. E, com os controles e compensações necessários, governos podem refletir
essa bondade.
Acredito que devemos buscar juntos o futuro, que devemos
acreditar na dignidade de cada indivíduo, acreditar que podemos superar nossas
diferenças e optar pela cooperação de preferência ao conflito. Isso não é
fraqueza, mas força.
É uma necessidade prática nesse mundo interconectado. E
nossos povos sabem disso.
Pensem no médico liberiano que foi de casa em casa buscando
casos de ebola e dizendo às famílias o que deveriam fazer caso apresentassem
sintomas. Pensem no comerciante iraniano que, depois do acordo nuclear, disse
que "se Deus quiser agora poderemos oferecer mais produtos a preços
melhores".
Pensem nos norte-americanos que baixaram a bandeira de nossa
embaixada em Havana em 1961, o ano em que nasci, e voltaram para lá algumas
semanas atrás a fim de hasteá-la de novo.
Um desses homens disse, sobre o povo cubano: "Podemos
fazer coisas por eles e eles podem fazer coisas por nós; nós os amamos".
Por 50 anos, ignoramos esse fato.
Pensem nas famílias deixando para trás tudo que conheceram,
arriscando a travessia de desertos inóspitos e águas bravias para buscar
refúgio. Tudo para salvar seus filhos.
Um refugiado sírio, que foi recebido calorosamente e
abrigado em Hamburgo esta semana, disse que "sentimos que ainda existem
pessoas que amam o próximo".
Os povos de nossas Nações Unidas não são tão diferentes
quanto nos dizem. Podem ser obrigados a temer. Podem ser ensinados a odiar. Mas
também podem responder à esperança.
A história está repleta dos detritos de falsos profetas e
impérios decaídos, que acreditavam que a força vale mais que o direito, e que
isso continuaria a ser verdade, com toda certeza.
Mas cabe a nós oferecer um tipo diferente de liderança.
Liderança forte o bastante para reconhecer que nossos países têm interesses comuns,
e as pessoas têm em comum a sua humanidade. E que, sim, existem ideias e
princípios universais. Foi isso que aqueles que deram forma a estas Nações
Unidas 70 anos atrás compreenderam.
Sigamos em frente com fé quanto ao futuro, pois essa é a
única maneira de garantir que o futuro seja mais luminoso, para os meus e os
seus filhos.