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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"EM DEFEZA DE WIKILEAKS" - (tradução livre)

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Me permiti fazer a tradução deste texto, face ao bom-senso e a lucidez com que o autor tratou o polêmico assunto nas últimas semanas.
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EM DEFEZA DO WIKILEAKS

Por Ernesto Hernández Busto

http://www.elpais.com/articulo/opinion/defensa/Wikileaks/elpepiopi/20101212elpepiopi_11/Tes


Como arrastada por uma maldição do código binário, a Internet novamente coloca a sociedade contemporânea ante um conflito aparentemente insolúvel, uma encruzilhada que envolve a Imprensa escrita e a mídia em geral, a política e as novas tecnologias.
O caso Wikileakes nos mostra claramente o modo que o fluxo de informação marca hoje uma nova fase de relações humanas, com difícil convivência com a política tradicional.

A batalha entre o império do confidencial e a liberdade de expressão, cujos efeitos colaterais temos visto nas últimas semanas, preocupam o funcionamento da Democracia e trazem ecos polêmicos que remontam a história do Jornalismo, mas que também revelam aspectos inéditos.

Sem a Internete e sem a moderna tecnologia de compressão de dados, desculpando o óbvio, não existiriam os “Cabogramas”. Era inimaginável a duas décadas atrás um “vazamento” e transmissão de dados como essa, a facilidade de roubar e transmitir arquivos, pela falta de mecanismos de fácil acesso aos arquivos, informações filtradas.

Se algo temos aprendido nestes dias é que a “Rede” representa o único desafio sério, para certos poderes constituídos, capaz de garantir de fato a possibilidade de um estado de transparência como hoje defende o Wikileaks.

Há que começarmos por aceitar que o nível de tecnologia alcançado para filtrar dados, documentos e transmiti-los com garantia de anonimato, é tal que nos permite prever como inelutável mais fugas de informação em grande escala.

Há dias atrás um analista do The Economist deixava claro: “Assim como a tecnologia tem facilitado a Governos e Corporações espionar de forma cada vez mais invasiva a vida privada de pessoas, também tem se tornado mais fácil para as pessoas, que trabalham a sós ou em conjunto, apropriarem-se de arquivos secretos dos Governos ou Corporações.

Assim visto, o Wikileaks seria o início da manifestação de um fenômeno muito maior, que já começa a afetar a vida de todas as sociedades contemporâneas: Uma exigência de transparência e uma demanda de restrição do espaço secreto.

A nova geração criada no mundo digital sente uma solidariedade irreprimível para com a “causa Wikileaks”: Há muito que pedem maior transparência e abertura não só aos seus amigos mas também aos seus Governos. Há um novo “Ethos” nascendo e se respira a vaga sensação de que algo anda mal com os detentores políticos do controle da Informação.
Podemos ou não estarmos de acordo, acharmos mais ou menos gratuito, porém este clima de desassossego há incubar as tentações de um falso anarquismo e desobediência civil, é um sintoma substancial da nossa época.

Tudo isso está sendo catalisado de certa forma pelo Wikileaks e a recente saga de Julio Assange, transformado num símbolo da Liberdade de Expressão. A reação contra não se fez esperar. Talvez a maneira mais rápida de se analisar as várias implicações do tema seja a precisamente detalhar algumas das objeções, a saber:

“Isso não é Jornalismo” afirmam os puristas do ofício. Até certo ponto eles tem razão. Boa parte do jornalismo do século XX foi feita em cima de acesso a informações “privilegiadas”. Logo não se trata de passearmos por Wikileaks e gozar uma dúzia de cabogramas “que tem uma história”.
Surpreende que os que defendem um jornalismo “além do fato” não tenham se dado conta dos verdadeiros alcance dessa modificação. Assange a chama, com uma pitada de sarcasmo, de “jornalismo científico”. “ Trabalhamos com outros meios para levar as noticias as pessoas mas também pra provar que são verdadeiras.O jornalismo científico permite ler uma notícia , e depois dar um clic na linha para ver o documento original em que se baseia.Assim você pode julgar por si mesmo se é autêntica a notícia, se o jornalista informou corretamente.”,disse.

Wikileaks não tem a vocação nem os recursos para propor um relato jornalístico tradicional. Porém como meio de informação ou intermediário de um novo tipo, contribui sem dívida a um pacto de confiança sobre em que se fundamenta o jornalismo moderno, a saber: Que o “Secreto” ou mesmo informações incômodas, possam ser reveladas em nome do interesse público, que a Imprensa exigirá dos Governos que cumpra com o imperativo democrático de transparência ou arrisque pagar o preço por ocultar.

Certo: Se Wikileaks existe é porque a imprensa tradicional não sabia ou não podia garantir a confidencialidade de seus informantes.
Porém agora, o intermediário, (o mensageiro como é chamado Assange), tem um acordo com seus informantes, que as exclusivas terão o maior impacto possível, o que vem sendo cumprindo. Sua recente aliança com grandes nomes da Imprensa Internacional obedece a essa exigência e marca um novo patrão em ter-se em conta. Todos saem ganhando. Ou quase.

“Não há nada que já não sabíamos”. Repetem aqueles que sequer nem leram um pequena porção dos cabogramas. Simples ignorância. Aliás, tal postura revela uma perversa dependência do sensacionalismo banal; quem assim fala, quer sangue, buscam escândalos com rostos humanos, tormentas políticas que encarnem o ocultado no revelado.
Muitas dessas opiniões supostamente céticas, se comportam, em realidade, com as mesmas expectativas que o Governo bolchevique quando filtrou os tratados da Primeira Guerra Mundial; São esse leitores e não o Wikileaks, que rebaixam o jornalismo ao “ajuste de contas”. (Como tem acontecido por aqui com a nossa enxurrada de denúncias de corrupção).(parêntese do blog).

“São fofocas, não justificam o uso da noção de “interesse público”. Periodistas eminentes, como David Brooks e Cristopher Hitchens, reagiram contra o Wikileaks invocando os privilégios da diplomacia “decimónica”: “O nível de confiança será comprometido, algumas coisas não devem ser de conhecimento público, a privacidade e a imunidade são pilares da nossa civilização”.
Jogam as prerrogativas do privado sobre o público, a prestar uma veneração quase religiosa por um “mundo” cuja matéria prima é a intriga. Falam de diplomacia como Bouvard e Pécuchet se referiam a um caso romântico do duque de Angulema. Deveriam remontar a tempos mais atrás, do Bórgias ou a diplomacia veneziana do século XVI.

O confidencial diplomático não desaparecerá. É parte do mundo civilizado claro, porém não passa de uma convenção. Seguiremos pagando os Diplomatas com nossos impostos, e eles seguirão fazendo seus trabalhos e comunicando ao “pé-de-ouvido” seus pareceres secretos.
Contudo, qualquer cidadão que venha exigir respeito a “Convenção de Viena”, pode exigir do Governo norte-americano, que segundo esses cabogramas, um maior escrúpulo quanto aos seus conteúdos.
Como dizia outro dia o The Guardian : “ Para que a “santidade” do secreto dos malotes diplomáticos signifique algo, deve conter um valor universal".

É certo que as nações mais democráticas são mais vulneráveis quanto aos seus segredos. Porém, o segredo nunca é total. Nenhum diplomata que se respeite acredita piamente na confidencialidade absoluta. O que existe é informação para o público e informação de uso governamental.

Lamento pela santa-diplomacia se o público quer saber se a China quer armar o Irã ou a Coréia do Norte; o que esteve por trás do ataque ao Google ou que o Chaves esteja junto com o narco-tráfico financiando Daniel Ortega. Que os médicos cubanos na Venezuela vivem um inferno de vigilância, extorsão e chantagens antes de emigrarem para os E.U. Nesses cabogramas estão muitas opiniões, mas também, muitos interesses.

Vou deixar de lado as opiniões do tipo: “Assange é um perigoso anarquista”, Wikileaks é uma organização terrorista”; “estamos ante uma cruzada pessoal de um megalômano” ou “ Assange se aproveita da proteção das democracias liberais, mas não se submete a elas”.
Tais afirmações não incidem na natureza do fenômeno que estamos tratando: “ A postura em que está atuando e seguirá atuando a Internete para definir as fronteiras da legítima informação”.

Wikileaks é muito mais que os “Cabogramas” ou que os “Cabos” como dizem. Levou anos criando uma reputação e criando sua independência.
Muito foi falado sobre Quênia e Timor Oriental, mas poucos se preocuparam com a deontologia.
Agora, o filtro é outro, outro nível, mais exigente, que nos obriga a meditar Wikileaks com doses precisas de responsabilidade e realismo, mas sobre tudo, com a convicção de que uma sociedade aberta não deve nunca castigar o acesso a verdade.

“Ernesto Hernández Busto” – é ensaísta, (Prêmio Casa das Américas 2004).
Desde 2004 escreve um Blog sobre assuntos cubanos: PenúltimosDias.com

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