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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

PEGA LEVE QUERIDO POETA...PEGA LEVE.

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A POESIA PODE SER CRUEL

“O MEU GURI”

Chico Buarque de Holanda


Quando seu moço nasceu meu rebento não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome, eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando não sei lhe explicar, fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí ai o meu guri olha aí
Olha aí
É o meu guri, e ele chega
Chega suado veloz do batente e traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro seu moço que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro: chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço uma penca de documentos pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí ai o meu guri olha aí
Olha aí
É o meu guri, e ele chega
Chega no morro como carregamento, pulseira cimento relógio pneu gravador
Rezo até ele chegar lá do alto, essa onda de assalto está um horror
Eu consolo ele ele me consola, boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo olho pro lado e o danado já foi trabalhar, olha aí
Olha aí ai o meu guri olha aí
Olha aí
É o meu guri, e ele chega
Chega estampado retrato com vendas nos olhos legendas e as iniciais
Eu não entendo essa gente seu moço fazendo alvoroço demais
Um guri no mato acho que tá rindo acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo eu lhe disse seu moço ele disse que chegava lá
Olha aí
Olha aí
Olha aí ai o meu guri olha aí
Olha aí
É o meu guri!

Quando ouvi pela primeira vez essa composição do Chico, me lembro até de ter ficado pasmado com a maestria com que nosso grande Poeta tratou o enredo da composição. Coisa que só um Poeta como o ele poderia ser capaz, pensei.

Porém com o tempo, passado anos, relendo vez ou outra a incrível letra da composição, notei que algo me incomodava. Mas, não dei a maior importância e continuei a admirar sua poesia como a das maiorias das composições do Chico.

Acontece que eu tinha separado para ler mais tarde o “Caderno do Folhateen” de 17/08/09, devido ao drama da manchete da capa: “Vidas Breves”. O tema é por demais doloroso e no dia eu não estava a fim de encarar o assunto.

Porém hoje, ao ler a matéria logo me veio à mente a composição “O Meu Guri”. E me pus a reler a letra da música.
Um drama comum que atinge hoje centenas de milhares de jovens nas duras realidades da base piramidal de nossa sociedade.
Um drama social, tratado com a maestria poética do grande poeta, que beira a insensibilidade face a tragédia; o qual alheio a realidade da pobre e impotente mãe do adolescente ladrão, soube no entanto, captar com seu dom, uma visão poética quase despudorada de uma terrível mazela social.


Não lembro de quando o Chico compôs essa música, mas a realidade nacional dos adolescentes das camadas mais humildes por todo nosso país, não era muito diferente da de agora. O que mudou parece ter sido os números das desgraças e das crianças vítimas das mesmas mazelas de décadas atrás. Aumentaram em muito a quantidade.
Não quero aqui expor a frieza das estatísticas até por não ser o fim deste post.

Aliás, já foi dito por grandes artistas e nomes famosos da cultura universal: “À arte não cabe mudar a realidade, apenas mostrar suas faces ocultas.”

Mas se na época em que o Poeta lançou “O Meu Guri”, eu tivesse as migalhas de conhecimento adquiridas até hoje, eu cometeria a ousadia de dizer ao nosso grande Chico:
“----- Pega leve, querido Poeta...pega leve.”
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