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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

"NÃO SÃO REVOLUÇÕES" - EL PAÍS

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NÃO SÃO REVOLUÇÕES
04/02/11

Por “Yasmina Khadra” do “El País”

As revoltas que acontecem em alguns países árabes possuem em comum a mesma motivação: Uma expressão ultrajada da saturação e uma necessidade vital de emancipação e de liberdade. Porém, os regimes totalitários são muito distintos uns dos outros. No Iémem trata-se de uma ditadura estática esclerosada, sem um projeto real de sociedade e sem qualquer dinamismo, baseada exclusivamente em alianças tribais. Uma ditadura virtual, surda, narcotizada, que subjulga o povo a um estoicismo e a renúncia.

Na Tunísia, o regime, nascido a partir da esperança e do progresso, caiu na armadilha de uma espantosa estreiteza de metas, que conduziu “Ben Ali” a perder de vista a oportunidade de escrever seu nome com letras de ouro na história do país. Ben Ali era sem dúvida o mais convincente dos presidentes árabes. Dispunha de um povo magnífico, instruído, moderno, emancipado e não violento. Seu reino era bem dito.
Porém, ao perder o momento de se ungir da glória digna das grandes almas, o soberano de Cartago optou pela violência insaciável e por uma repressão policial que não tinha a menor razão de ser.
Privilegiou o domínio político da família e apaniguados em detrimento da sua própria autoridade e acabou por se ver superado por acontecimentos alheios a sua vontade ou controle.
Podia-se dizer que a ditadura tunisiana era oriunda do poder de crápulas, alicerçado no nepotismo, na corrupção e no tráfico de influências.

No Egito o regime é o de um governo fantoche, desejado e alimentado pelos interesses norte-americanos e israelenses. Considerado como ponta de lança ao mundo árabe, se transformou numa colônia manipulada. Sua incondicional aliança com os E.U. prejudicou muito a Palestina e dispersou consideravelmente a unidade do mundo árabe.
Concentrando no país as principais instituições árabes-africanas – (políticas econômicas, culturais e esportivas) – o Ocidente viu no Cairo seu único e mais importante aliado na região. Valendo-se desse privilégio, Mubarak trocou deliberadamente seu status de irmão maior do mundo árabe, pelo pouco brilhante papel de cúmplice e traidor; atitude que o povo egípcio, considerado como o mais intelectualizado do mundo árabe, não conseguiu ainda digerir direito.
Na ditadura egípcia se há permitido atuações flagrantes de uma crescente ingerência dos interesses geo-estratégicos ocidentais, em particular dos E.U. e Israel; cujo vetor principal consiste em amordaçar o orgulho e a dignidade nacional em benefícios vampirescos do exterior.

Os protestos da Tunísia, Iémem, e Egito, respondem também a uma urgência capital, em todos os três, o povo clama por liberdade, dignidade e a possibilidade de uma ascensão social a uma existencia decente.
Os insultos ao governo se deve principalmente, na visão do povo, ao marasmo e ao depauperamento sócio-econômico que lhes nega o direito de ascender no concerto das nações.
Contudo, não se trata de revoluções. Se trata de uma reação espontânea, incoerente e sem orientação precisa, cujo finalidade é o de expulsar o tirano sem a menor previsão do que virá depois. Uma revolução é um ato pensado com metas mais abrangente, maduramente articulado em torno de uma estratégia, conduzido por atores identificados e determinados. Não se vê os líderes designados nos distúrbios nas ruas do Cairo ou de Adém. Privados de catalisadores eficazes, os vastos movimentos de protestos vão ter de seguir até o fim combatendo todos os truques que os Governos ameaçados vão tentar modificar em pró suas frágeis situações.

Nos encontramos ante uma constatação contundente: Se faz imperativo o recurso imediato da consciência intelectual e política capaz de encarnar a cólera popular e exigir a saudável alternância do poder, clamada pelo povo.
Seria desastroso seguir sitiando as praças públicas sem assumir as tribunas, sem falar nelas com voz forte e convincente e que consiga retrucar à altura, os discursos falsos a chamar o povo à calma dos regimes acossados.
Como também seria perigoso aceitar um compromisso que com toda evidencia, seria apenas uma armadilha para ganhar tempo para Mubarak e seus acólitos. Cometemos essa falha com a Argélia por ocasião da formidável insurreição de outubro de 1988. Na época, não contamos com guias prevenidos que nos evitassem as armadilhas da proclamação da democracia e ao não nos precavermos das nossas falhas, aplaudimos a democracia e o multipartidarismo, para alguns anos mais tarde assistirmos a chegada do “tsunami” islamita. Não gostaria de ver essa catástrofe acontecendo no Egito.
Essa é a razão da estrema necessidade, para esses países, de escolherem homens e mulheres determinados, vigilantes e dispostos e erradicar qualquer conluio com antigos aparato repressivos do Estado e a impedir as tentativas de instrumentalização e desvios ideológicos que reduziriam a cinzas a instauração de uma autentica democracia laica e republicana.

Com efeito, se o caso da Tunísia sucinta a simpatia do Ocidente, o do Egito realiza o sonho. Porque no Egito, para além do futuro do povo egípcio, se trata também de uma nova correlação de forças na região. Se Mubarak cai, a “paz” do oriente médio não estará garantida. Entendo por “paz” a estabilidade de Israel e sua impunidade. Os E.U. vão fazer de tudo para manter o regime, mesmo com risco de sacrificar Mubarak. Os egípcios estão vivendo as horas mais perigosas de sua história republicana. Ou aceitar a “transição” ou a guerra civil. Pessoalmente, não sou nada otimista. Cada dia que passa só ajuda o regime, que optou pela guerra do desgaste. As ruas já não conseguem a mesma pressão. A economia está parada, as pessoas não recebem seus salários e os estômagos começam a sentir fome.

O regime sabe disso e vai tratar de prolongar as manifestações pacíficas para volta a restabelecer suas propagandas de dissuasão e plantar dúvidas nos ânimos exaustos. No momento em que escrevo Mubarak acaba de confiar o destino do Egito aos espertos do Pentágono. Essa “transição” que reclama Washington é a armadilha mortal que destruía toda oportunidade do povo egípcio recuperar sua honra e salvação.

Há que se fazer duas perguntas:

Poderiam os protestos se estenderem a Líbia, Argélia, Marrocos e Jordânia?

Para a Líbia a pergunta não procede. Para os líbios, Gadafi não é um ditador e sim um iluminado. Ainda levaremos muito tempo vendo a cólera contida nas ruas de Trípole.
Com respeito aos outros países, apesar da corrupção generalizada, o desemprego, o empobrecimento crescente e a falta de perspectivas para a juventude e os novos políticos diplomados, não haverá maiores revoluções neles. Os governos prometeram a introdução de vastas e urgentes reformas para satisfazer as reinvidicações de seus povos, os quais continuarão sem perceber que o que lhes falta é a alternância do poder. O braço de ferro continuará inflexível, mas nada mostra alguma reação a curto prazo.
No entanto uma coisa é certa, graças ao que ocorre em Tunísia e Egito os povos da região sabem a força que possuem. Nada mais será como antes.

Vão transformar alguma coisa esses protestos?

No Iémem, nada é muito certo. Bastaria o regime fazer algumas concessões para que o povo voltasse pra suas moradas. As alianças tribais estão por demais corrompidas para arriscarem as parcas conquistas já conseguidas, em pró de uma política que abranja todas as comunidades. Tunes poderia lidar com elas a contento.
De fato, há boas possibilidades de sair bem a transição, porém, os excluídos dos departamentos do poder não renunciarão às suas partes do bolo.

E quanto ao Egito, se abaixam as armas ou como se diz na tradição muçulmana, chega a “noite da dúvida”. Tudo será jogado numa cartada. E tudo leva a crer que vai ser tudo bem armado. As investidas geo-estratégicas são de tal dimensão que de bom grado conviveriam com o sacrifício de algumas dezenas de milhares de mortos.


“Yasmina Khadra”, é um pseudônimo feminino que o escritor argelino “Mohammed Moulessehoul” , nascido em 10 janeiro de 1955, criou para evitar a censura militar.
Apesar dos vários livros vendidos na Argélia, Moulessehoul só revelou sua verdadeira identidade em 2001, quando deixou o exército e pediu asilo e reclusão a França.

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